De acordo com a Bíblia, Moisés, ao desejar ver a glória de Deus, obteve do Senhor a seguinte resposta: “Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá” (Ex 33.20). E João ainda completa: “Deus nunca foi visto por alguém” (Jo 1.18a).
Estes textos nos mostram que é simplesmente impossível “ver” a Deus. Entretanto, isto não quer dizer que não seja possível formular algumas imagens a Seu respeito. Acontece, porém, que muitas dessas “imagens da divindade” que são criadas, por serem resultado de nossos interesses particulares, projeções psicológicas e conveniências humanas, acabam se tornando conceitos totalmente inadequados de Deus. E, por mais incrível que pareça, tais “imagens subjetivas e equivocadas de Deus” estão bastante presentes, inclusive, no imaginário cristão. Cito, abaixo, algumas dessas caricaturas de Deus.
Imagens Inadequadas de Deus
O “Deus” Delivery – Aqueles que acreditam nesta concepção de Deus pensam que não precisam ir à igreja, a fim de congregar juntamente com os seus irmãos em Cristo. Estes, que pertencem ao MST (Movimento dos Sem Templo – ou “sem igreja”) entendem que basta ficar em casa, pois Deus enviará a bênção até eles. Crer nesse tipo de “Deus” é bastante conveniente para tais pessoas, porque, afinal, é uma forma que encontram de legitimar as suas frustrações eclesiais pessoais, o que acaba lhes servindo como boa desculpa para não manterem nenhum compromisso sério com Deus e com o corpo de Cristo, a Igreja.
O “Deus” Estepe – A filosofia das pessoas que enxergam a Deus como se fosse um “pneu reserva” pode ser resumida na seguinte frase: “É bom tê-lo por perto, mas só irei recorrer a Ele em último caso!”. É bastante deprimente procurar a Deus e se achegar a Ele somente como um último recurso e quando o “navio já está se afundando”. Porém, milhares de pessoas agem exatamente assim. Para estes, Deus “funciona” como um “quebra-galhos” eventual, e não como alguém com quem devem se relacionar constantemente.
O “Deus” General – É principalmente chamado de “Senhor dos Exércitos” por aqueles que o vêem dessa forma. É visto como um Deus que só dá ordens e a quem devemos “fazer continência” e prestar obediência em regime militar. Os que enxergam a Deus assim, se dirigem a Ele dizendo: “Sim, Senhor!”; “Não, Senhor!”; “Desculpe-me, Senhor!”; “Não Sei, Senhor!”. E até para agradecer, dizem: “Obrigado, Senhor!”. Tais pessoas costumam confundir a igreja com um quartel do exército e a Bíblia com uma cartilha militar repleta de regras e de proibições.
O “Deus” Gênio da Lâmpada – Segundo aqueles que entendem a Deus dessa maneira, Ele existe para atender e satisfazer aos pedidos dos fiéis, sejam eles quais forem. Porém, ao não verem as suas preces atendidas, tais pessoas ficam ressentidas e culpam a Deus por isso. Tais indivíduos possuem uma visão extremamente utilitarista de Deus. Eles servem a Deus não por aquilo que “Ele é”, mas sim pelos benefícios que Ele pode lhes proporcionar. Pouco interesseiros, não acha?
O “Deus” Intelectual – As pessoas que possuem tal imagem de Deus costumam se dirigir a Ele em oração mais ou menos assim (à la “seu Rolando Lero” da antiga Escolinha do Professor Raimundo): “Ó, escatológico, inescrutável, sui generis, portentoso, atemporal, onividente e transcendente Deus, peço-lhe, por obséquio, que ouças a minha humilde prece, enquanto faço genuflexão diante de Ti (...)!”. Estas pessoas pensam que, porque Deus é onisciente e, portanto, sabe de todas as coisas, logo, Ele é um sujeito “culto”. Então, tais indivíduos acham que ao falarem com Ele devem se comunicar utilizando palavras rebuscadas e linguajar difícil, a fim de impressioná-lo. É mais fácil você interpretar uma oração “em línguas”, do que decifrar o conteúdo enigmático de tais tipos de oração!
O “Deus” Marionete – Quem possui tal imagem de Deus acredita que, de alguma forma, conseguirá manipulá-lo, amestrá-lo ou domesticá-lo segundo os seus próprios interesses e de acordo com o seu bel prazer. E, por mais incrível que pareça, há, de fato, pessoas que pensam que podem mesmo “convencer” a Deus, manipulando-o de forma a fazer o que querem, através do uso de artifícios, tais como: choros teatrais, atitudes de autocomiseração, fazer “cara emburrada” etc. Além disso, estas pessoas também costumam usar como estratégia de manipulação divina toda aquela verborragia positivista que já conhecemos: “Eu determino que isso aconteça (...)”, “Eu profetizo isso e aquilo (...)”, “Eu selo essa palavra com o sangue de Jesus (...)”, entre outras frases de efeito já bastante gastas e até inapropriadas. O que estas pessoas não entendem é que Deus não pode ser coagido, convencido, forçado ou sugestionado de forma alguma a nos atender em nossos interesses particulares. Ele é Soberano sobre as Suas ações e sobre toda a Sua criação, de maneira que somos nós que devemos nos submeter a Ele e à Sua vontade.
O “Deus” “Mauricinho” – Aqueles que enxergam a Deus assim pensam que Ele é como aquele “cara” da classe média-alta, bem resolvido financeiramente (pois, afinal de contas, Ele é o “dono do ouro e da prata”), o qual se veste com roupas celestiais bem engomadas e é um tanto quanto esnobe, pois vive sendo fotografado nas festas mais badaladas e aparece nas capas das revistas mais influentes. É claro! Ele pode fazer tudo isso porque é Deus! Para estas pessoas, Deus pertence à high society ou à elite da socialite universal-cósmica e, sendo assim, Ele não se mistura com os pobres, plebeus e o proletariado de forma geral. É um “Deus” classista. Esse tipo de “Deus” é totalmente contrário à Teologia da Libertação e, ao mesmo tempo, é adepto da Teologia da Prosperidade. Esse “Deus”, não se mistura com o zé-povinho, tal como o óleo não se mistura com a água. “O ‘negócio’ dele”, pensam os que assim o enxergam, “é abençoar apenas às classes mais altas e não aos menos favorecidos”.
O “Deus” Pobre Coitado – Tal tipo de imagem de Deus é extraído incorretamente do imenso sofrimento experimentado por Cristo quando de Sua encarnação. Uma vez que Jesus (O Deus-Homem) foi tremendamente desprezado e humilhado, bem como, experimentou inúmeros sofrimentos em Seu ministério público, os quais culminaram na Sua crucificação, então, as pessoas que tendem a ver Deus sob esse prisma, acabam enxergando-o com um olhar de pena, de dó, repleto de complacência e de compaixão. Tais pessoas chegam a pensar: “Pobre Jesus! Ele foi muito sofrido! Será que Ele poderá fazer alguma coisa por mim hoje, uma vez que Ele não conseguiu ajudar nem a si mesmo há dois mil anos atrás?!”.
O “Deus” Presidente de Empresa Multinacional – Para aqueles que enxergam a Deus desta forma, Ele é visto como aquela pessoa da empresa que está no topo da pirâmide da organização e que, portanto, de tão atarefada e ocupada que é a sua vida, Ele não tem tempo a perder com as “picuinhas” e com as particularidades da vida de seus subordinados, ou, “colaboradores”, para usar um jargão mais atual. Esse tipo de “Deus” é enxergado como alguém que só quer que você “trabalhe, produza e cumpra as suas metas” (seguindo esse pensamento no contexto eclesiológico, Ele quer que você ganhe almas e O sirva), sendo totalmente inacessível aos pobres mortais que vivem na base da cadeia produtiva.
O “Deus” Sádico – Aqueles que fazem tal imagem de Deus enxergam-no como alguém que está por trás de todo o sofrimento que há no mundo. Aliás, para tais pessoas Deus sente verdadeiro prazer e verdadeira satisfação com o sofrimento alheio. “Ele está de braços cruzados, dando várias gargalhadas no céu, ao ver alguém experimentando algum tipo de sofrimento aqui na terra”, pensam. Porém, nada está mais longe da verdade do que tal tipo de caricatura divina!
O “Deus” Vingativo – Por fim, as pessoas que enxergam a Deus assim, o responsabilizam por tudo o que acontece de ruim em suas vidas. Elas pensam assim: “Deus deve ter enviado esse mal sobre a minha vida como forma de vingança, pelo fato de eu não ter ido à igreja, não ter lido a Bíblia, não ter sido uma boa pessoa” etc. A relação destas pessoas com Deus é uma relação de medo e de perigo, por meio da qual elas sempre enxergam a Deus com fortes suspeitas e grandes desconfianças.
Imagens Corretas de Deus
Bem, depois de termos visto algumas concepções equivocadas sobre Deus, vejamos agora algumas imagens que são mais condizentes com aquilo que Ele realmente é, embora sejam, contudo, imagens ainda limitadas, finitas, incompletas e, portanto, deficientes acerca dEle:
Deus é o único Ser auto-existente. É a Causa primeira independente. É um Ser que é ao mesmo tempo, transcendente (está muito além do universo criado, bem como, do nosso conhecimento e compreensão humana) e imanente (está presente e ativo na história da humanidade). Ele é infinito, eterno, onipotente, imutável, inteligente e totalmente livre. O Seu poder se estende sobre tudo e todos.
Sei que estas poucas imagens da divindade são muito belas e, do ponto de vista humano, até que corretas. Todavia, em hipótese alguma elas conseguem descrever a Deus em Sua inteireza essencial, em Suas características e em Seus atributos.
Na verdade, para sermos honestos, “Deus é incompreensível”. Jamais a nossa inteligência finita conseguirá abranger de forma plena Aquele que é infinito, assim como jamais conseguiremos abraçar uma montanha com os nossos braços curtos e frágeis.
Em todos os sentidos, Deus extrapola de forma infinita a nossa inteligência, de maneira que tudo aquilo que podemos conhecer e dizer a Seu respeito não passa de um microscópico e tosco esboço daquilo que Ele de fato é. Sendo assim, diante desse Ser majestoso e sublime, creio que só nos resta exclamarmos junto com o salmista: “Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado!” (Sl 48.1a).
Texto de:
Carlos Augusto Vailatti
1 comentário:
Adorei o texto! As classificações de Deus, segundo a visão humana, são bem o que acontece no nosso dia-a-dia... Eu já tinha percebido isso, só que guardo pra mim, porque acho que penso demais e que ninguém achava isso... rs... Muito legal, me senti aliviada por ler esse texto e achar que não sou tão louca assim...
Beijocas
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